A tradicional colheita da macela, que se dá anualmente em pelo menos sete estados brasileiros pode estar com seus dias contados. É o que aponta estudo feito por um grupo de professores da Ufrgs sobre uma parcela das plantas medicinais mais utilizadas no Estado.
A pesquisa, divulgada no livro Plantas da Medicina Popular no Rio Grande do Sul, abordou 56 espécies distintas (34 delas nativas), e aponta o folclore de colher a popular marcela na Sexta-feira Santa como uma das principais causas da provável extinção.
A despreocupação quanto ao cultivo é outra ponta do problema, segundo a publicação que ganha eco no curso de Ciências Biológicas da Unisc. “Como as pessoas apanham ela justamente no período de floração, o ciclo natural não se completa. E o fim pode se dar muito em breve”, afirma o professor e doutor em Botânica, Jair Putzke.
De acordo com ele, o problema poderia ser resolvido com a criação de áreas de plantio. Hoje não há um único local de reprodução da espécie em todo o Estado. “Acredito que no resto do Brasil também não. Esta colheita, se não fosse pelo caráter religioso, é uma prática que já devia estar proibida por lei.”
Mas a extinção da macela não é o único prejuízo que a tradição da Sexta-Feira Santa pode causar. Não se as flores de cor amarela forem apanhadas em locais impróprios, como nas beiras de estradas e rodovias.
Só que aí o meio ambiente deixa de ser o único prejudicado. Pois as plantas colhidas nestes locais, conforme Putzke, podem conter altos níveis de chumbo e de outro metais que são expelidos pelos automóveis. “Só este metal já causa uma série de problemas para o organismo do indíviduo.”
Por isso tudo, ensina o professor, é preciso ter muita consciência e responsabilidade na hora de colher ou tomar o chá que é tido por milagroso. “As propriedades curativas dela são grandes. Porém, quem for comprar deve procurar saber de onde vem. E quem for apanhar, deve evitar exageros. Só assim a tradição seguirá viva.”
A tradição de colher Marcela na madrugada de Sexta - Feira Santa não é algo exclusivo dos gaúchos. A prática que passa de geração para geração também é comum nos estados da Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, onde ela vegeta em maior quantidade.
Nome científico: Achyroclien satureioides
Nome popular: Macela-do-campo, macelinha, macela-amarela, camomila-nacional, carrapichinho-de-agulha, marcela, losna-do-mato, macela-do-sertão, chá-de-lagoa.
Origem: América do Sul. Vegeta no Brasil nos estados da Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
A colheita anual dos ramos benditos
No caminho da extinção, a macela é uma planta que faz parte de uma tradição que passa de pai para filho em todos os recantos do Rio Grande do Sul: a da colheita da Sexta-Feira Santa.
É raro encontrar uma família que jamais tenha ouvido falar dos poderes curativos da espécie nativa. Ou que não tenha algum parente ou conhecido que se embrenhe nos matos na madrugada da sexta-feira anterior à Páscoa em busca dos ramos que combatem a má digestão, dores de cabeça e até queda de cabelos.
“Como está é uma prática santa, coisa movida pela fé, o melhor é ir do jeito mais humilde possível”, ensinam os idosos, que também não abrem mão de outra regra: a planta não pode ser colhida depois dos primeiros raios de sol.
O orvalho, também deve se fazer presente sobre as flores para que o chá não perca parte de seu poder curativo. “Se essas coisas não forem respeitadas, nem adianta tomar. Não vai resolver coisa alguma”, garantem.
Ação: antiinflamatória, calmante, bactericida, antidiarréica, colinolítica, mio-relaxante, antiespasmódica, digestiva, estomáquica, emenagoga e antiviral.
Indicação: problemas digestivos, flatulências, má digestão, colecistite, diarréias, cólicas abdominais, azia, contrações musculares bruscas, inflamações, disfunções gástricas, inapetência, desinterias, distúrbios menstruais, dores de cabeça, cistite, nefrite, tosses espasmódicas, arteriosclerose e hipercolesterolemia.
Fitocosmético: estimula a circulação capilar, combate a queda de cabelos, serve para tratamento de pele e cabelos delicados, clareia cabelos e serve como protetor solar.
Riscos: uso contraindicado às pessoas sensíveis à erva.
Dose uso interno/infuso: 10g de flores em 1 litro de água. Tomar 3 a 4 vezes ao dia, preferencialmente após as refeições. Como digestivo.
Uso externo/infuso: 30g de flores em 1 litro de água. Aplicar na forma de compressas, 3 a 4 vezes ao dia.
Fitocosmético (xampus e sabonetes): enxágüe para clarear os cabelos.
As propriedades da macela se mantém melhor conservadas se os ramos não forem deixados expostos. A garantia é do professor da Unisc e doutor em Botânica, Jair Putzke. De acordo com ele, o ideal é conservar o produto colhido em sacos de papel que preservam a planta seca por um maior período e longe de fungos e poeira. “Se forem guardados deste jeito, valem por até dois anos.”